A Região Turística da Serra do Cipó tem no DNA uma paisagem que realmente impacta seus visitantes, seja pela biodiversidade ou pela sensação de fazer parte de um um cenário ambiental reservado. Não é à toa que o arquiteto paisagista Roberto Burle Marx, ao conhecer nossa região carinhosamente nos reconheceu como o Jardim do Brasil.
Ao longo dos anos a região foi abençoada com iniciativas e unidades de conservação que favorecem a preservação e a valorização deste território enquanto paisagem socioambiental, onde homem e natureza convivem e se fortalecem.
Neste sentido, convidamos o Coordenador da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço - Professor do Departamento de Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Miguel Ângelo Andrade, para apresentar um pouco sobre a iniciativa da Reserva da Biosfera que compõe o cenário da nossa região e é uma ação muito importante para continuarmos sendo esse Jardim do Brasil.
Mas do que se trata a Reserva da Biosfera?
O Programa Homem e Biosfera (MaB – Man and the Biosphere) foi criado como resultado da “Conferência sobre a Biosfera” realizada pela Unesco em Paris, em setembro de 1968. O MaB foi lançado em 1971 e é um programa de cooperação científica internacional sobre as interações entre o ser humano e o meio.
O objetivo central do Programa MaB é promover o conhecimento, a prática e os valores humanos para implementar as boas relações entre as populações e o meio ambiente em todo o planeta.
Até o ano de 2024, foram reconhecidas 748 Reservas da Biosfera (RBs) em 140 países do mundo. Ainda que sejam declaradas pela Unesco, as Reservas da Biosfera são propostas por iniciativa de cada país, ao qual cabe integralmente sua administração, considerando-se os princípios do Programa MaB.
A Reserva da Biosfera deve cumprir três funções básicas, que se complementam mutuamente:
Contribuir para conservação da biodiversidade, incluindo os ecossistemas, espécies e variedades, bem como das paisagens onde se inserem;
Fomentar o desenvolvimento sustentável do ponto de vista sociocultural, ecológico e econômico;
Promover o conhecimento científico e tradicional, considerando o universo ancestral que nos trouxe até aqui.
Fotos: Luiza Kot
A composição da Reserva da Biosfera do Espinhaço (RBSE)
Unidades de Conservação
Para o Brasil, a Lei n° 9.985, de 18 de junho de 2000, regulamentada pelo Decreto n° 4.340, de 22 de agosto de 2002, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC trata em seu Capítulo VI especificamente das Reservas de Biosfera e seu zoneamento, em respeito às premissas do MaB. A área da RBSE foi reconhecida a partir de uma estratégia de conservação existente.
Das 121 Unidades de Conservação na RBSE, em 2015, destacam-se 39 de Proteção Integral (Zonas Núcleo), entre parques nacionais, estaduais e municipais, monumentos naturais, reservas biológicas e estações ecológicas; e 82 de Uso Sustentável, como Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Proteção Especial, Floresta Estadual e Reservas Particulares do Patrimônio Natural.
Água
A Serra do Espinhaço foi indicada como área prioritária para a proteção de mananciais hídricos, sendo responsável pela organização atual da rede de drenagem de importantes bacias hidrográficas de Minas, tais como as dos rios São Francisco, Doce, Jequitinhonha, entre outros. A Serra do Espinhaço é uma região de grande importância para o fornecimento desse estratégico serviço ecossistêmico.
Paisagem
O Espinhaço é caracterizado por um conjunto montanhoso constituído por blocos de surpreendentes dimensões que afloram em meio a um mosaico natural contendo duas das 25 áreas mais diversas e mais ameaçadas do planeta (Hotspots), o Cerrado e a Mata Atlântica.
Há mais de um bilhão de anos em constante movimento, esse maciço rochoso de altiplanos extensos coroados por singulares Campos Rupestres revela em seu empilhamento estratigráfico antigas eras paleogeológicas. Possui cerca de 1.500 quilômetros de extensão com picos de até 2.017 metros, onde se destaca a exuberância de suas cachoeiras, de seus cânions e de vales com rochedos escalvados sempre integrados à delicada trama de sua composição vegetacional.
Campos Rupestres
Os Campos Rupestres são associados a altitudes acima de 900 metros, em solos rasos, rochosos, ferruginosos, pedregosos ou arenosos e representam uma paisagem única em todo o mundo. Essa vegetação, característica da Serra do Espinhaço, é formada por um rico mosaico de comunidades, sob forte controle do relevo local, natureza do substrato e microclima, mas para a qual o conhecimento é ainda incipiente devido à sua megadiversidade e complexidade.
O Campo Rupestre detém o título de uma das regiões com maior riqueza de plantas do planeta e trata-se de um ecossistema extremamente frágil e de baixa resiliência. Uma vez rompido o delicado elo dessa vegetação com o ambiente, parece haver poucas chances de ocorrer uma regeneração espontânea.
Diversidade
Do total de 538 espécies de plantas ameaçadas em Minas Gerais, 81 espécies estão na Mata Atlântica, 19 na Caatinga, 73 no Cerrado e 351, ou seja, 67% do total, nos Campos Rupestres.
Mais da metade das espécies de plantas ameaçadas de extinção em Minas Gerais está no Espinhaço, além de um número significativo de espécies da fauna ameaçada.
Endemismo
Na cadeia do Espinhaço, encontra-se o maior número de espécies endêmicas (ocorrem somente numa determinada região do mundo) da flora brasileira e um notável endemismo também da fauna, especialmente daquela associada às plantas (borboletas, abelhas, beija-flores, dentre outras) e aos ambientes aquáticos (peixes, anfíbios e insetos).
Conhecimento Científico e Tradicional (REVER)
A interface da sociodiversidade, da história e da cultura na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço traz consigo um legado de conhecimentos imersos em seus povos e comunidades tradicionais. Salienta-se, nesse sentido, a realização de inúmeros programas e projetos, de base etnocientífica, que visam resguardar e valorizar o conhecimento tradicional nos territórios da Serra do Espinhaço e, também, fomentar o uso sustentável dos usos recursos naturais.
Para além do conhecimento historicamente constituído pelos povos do Espinhaço, diversos estudos foram realizados considerando a RBSE como recorte geográfico, desde o seu reconhecimento em 2005. Cumpre ressaltar, por exemplo, trabalhos relacionados à descrição de novas espécies, às mudanças de uso do solo, ao design de unidades de conservação, ao contexto geomorfológico e geológico e à história ecológica da Serra do Espinhaço, dentre outras temáticas, resultando em uma extensa base de dados , com mais de 1000 publicações científicas.
Significado Cultural
A área da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço resguarda diversas e importantes expressões da cultura do nosso País. Berço da colonização do nosso Estado, essa região abriga três cidades históricas classificadas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco – Diamantina, Congonhas e Ouro Preto, além de uma série de outros ricos conteúdos da arte e tradição que formam um verdadeiro caleidoscópio cultural de sociodiversidade. As raízes africanas, europeias e indígenas se mesclaram, cada qual a seu modo, e deixaram crenças, sabores e manifestações nas práticas das comunidades locais. Destacam-se, neste território, 89 comunidades quilombolas e uma nação indígena localizada no município de Carmésia - os Pataxós.
Desenvolvimento
Desde a criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, em 2005, até o ano de 2015, 168 empreendimentos de grande porte firmaram Protocolo de Intenções com o Governo do Estado de Minas Gerais, visando à sua instalação e operação em municípios inseridos no território da Reserva. Trata-se de empreendimentos de diversas cadeias produtivas, dentre elas: mineração, metalurgia e siderurgia, comércio, indústria do vestuário, papel e celulose, eletroeletrônicos, indústria química, biotecnologia, energias renováveis, alimentos, agronegócio, café, turismo, dentre outras atividades.
A atividade turística (ecológica, cultural, histórica e religiosa), por exemplo, vem apresentando taxas de crescimento positivas e constantes ao longo dos últimos anos, se consolidando como um setor econômico de grande importância para o Estado de Minas Gerais e para a RBSE.
Além da imponência dos grandes e médios empreendimentos, é importante salientar o papel de atividades realizadas por comunidades locais, quando associadas a estratégias e planos de manejo sustentável, como: o turismo de base comunitária, o ecoturismo no entorno de áreas protegidas, a agricultura familiar, a pesca tradicional e a comercialização de produtos nativos da biodiversidade, artesanato, gastronomia e arranjos produtivos locais de base sustentável. Tais atividades locais favorecem a dinamização socioeconômica do Espinhaço, resultando em novas alternativas de geração de renda para essas populações.
Fotos: Tom Alves
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